Quem não se recorda da bela história de Miguilim? Personagem da obra literária “Campo Geral”, de Guimarães Rosa, menino de uns 7 ou 8 anos, sensível e humilde do sertão nordestino, que enxergava embaçado de longe? Quando li a história, na época do vestibular de Medicina, nunca imaginei que um dia teria a minha frente, na vida real, esse personagem da literatura brasileira.
Deparei-me há algum tempo, no consultório, com uma história muito parecida com a de Guimarães Rosa, só que no lugar de Miguilim, estava uma garotinha muito esperta, na flor dos seus 7 anos de idade. Chegou-me acompanhada da mãe e da professora: A primeira, uma humilde pescadora, e a segunda, a mestra, na essência da palavra.
Ambas traziam a linda menina para uma consulta e exame oftalmológico. A professora lamentava o fato de que, apesar de extremamente inteligente e esforçada, a aluna não conseguira passar de ano. Não se desenvolvia intelectualmente como os demais colegas de classe, e ainda acabava por dispersar-se nas atividades, isolando-se durante a aula.
Tal fato preocupava demais a professora. Esta simplesmente não entendia o porquê da reprovação por baixo desempenho escolar de uma garotinha com tantas virtudes. “- Doutor, poderia examiná-la e dizer-me o que ela tem?”, pediu a professora, sob o olhar preocupado da mãe. Naquele instante, pensei como seria bom se todas as professoras tivessem esse grau de preocupação e de responsabilidade por seus alunos. Como a sociedade seria melhor se todos nós direcionássemos nosso olhar ao próximo.
Após o exame oftalmológico, diagnostiquei que a criança tinha alto grau de miopia, patologia que lhe proporcionava pouco mais do que 5% de visão. A barreira no desenvolvimento daquela criança residia na qualidade de sua visão e não em sua capacidade intelectual.
Assim que a jovem estudante teve acesso aos óculos prescritos, a felicidade foi geral para todos que presenciaram a cena. “- Como esse lugar é bonito!”, deslumbrou-se a menina que, agora sim enxergava o ambiente. Para a alegria da professora, da mãe e claro, minha.
Recordei-me da passagem final da história do Miguilim, do momento em que Dr. Lourenço diagnostifica a miopia e empresta-lhe os óculos. Publicada em 1964, infelizmente, a história de Campo Geral continua contemporânea. Quantos pequenos Miguilins não estão por aí, nos bancos escolares ou fora da escola, reprovados por não enxergarem. Médicos, familiares e professores têm a obrigação de abrir os olhos a esses Miguilins, que são o amanhã deste nosso Brasil.
Dr. Marcello Colombo Barboza
Médico Oftalmologista do Hospital Oftalmológico Visão Laser